Aos Pés do Cristo

Post date: Jul 10, 2012 12:42:15 AM

Por Denise Lino

    Há nos quatro Evangelhos (Mateus 26: 6-13, Marcos 14: 3-9, Lucas 7: 36-50 e João 12:1 a 8) a descrição de um mesmo fato com algumas particularidades. Trata-se do episódio da mulher que lavou os pés de Jesus com suas próprias lágrimas e os massageou com um unguento raro e ao que tudo indica de excelente qualidade. Há divergências nos textos evangélicos quanto a quem seria essa mulher e ao lugar em que havia se dado, tendo João indicado que fora na casa de Lázaro e que o presente havia sido dado por Maria, uma de suas irmãs; mas Lucas indica que fora uma mulher do povo e que o evento se dera na casa de um certo Simão fariseu. Esta última descrição parece ser a mais generalizada e é a que o pintor barroco francês Pierre Subleyras (1699 – 1749) pintou no quadro que ilustra este texto. 

    O que importa nesta cena não é quem a protagonizou, mas o gesto em si, embora particularmente eu prefira a versão de Lucas que coloca uma mulher do povo como a heroína desta cena ao ter a coragem de entrar na casa de um fariseu sem ser chamada, aproximar-se de Jesus, ajoelhar-se aos seus pés, lavá-los com suas lágrimas ou mesmo com água e massageá-los com um unguento raro e caro, comprado com suas parcas economias. Chama atenção neste gesto, o anonimato da protagonista, sua colocação aos pés de Jesus, numa posição em que a grandeza do Mestre é destacada, sua gentileza em lhe oferecer conforto para os pés e o presente muito especial, objeto, inclusive, em todas as narrações evangélicas, do questionamento dos apóstolos ou de pelo menos um deles – Judas – sobre o valor do presente que se vendido daria para alimentar os pobres, Jesus, porém, contrapôs-se a isto dizendo que os pobres conosco sempre os teríamos, mas a Ele nem sempre. Ou seja, mesmo que o unguento fosse vendido o dinheiro não teria sido suficiente para reverter a situação dos pobres. E, além disso, perder-se-ia a oportunidade de estar com Ele. Em outras palavras, Jesus também aceita nossas doações de amor, aceita nosso convite para uma visita mais íntima em que possamos reverenciá-lo como fez a mulher se, claro, estivermos em sintonia com Ele, como ela estava. 

    Destaca-se especialmente neste episódio a relação entre alto e baixo, sintonia e distanciamento. Jesus, símbolo da iluminação está no alto, a mulher que nos representa está em baixo, em outra palavras para que alcancemos o Mestre precisamos sair da baixada em que nos encontramos para as cumeadas da iluminação. 

    Não é a toa que igrejas são construídas muitas vezes em lugares altos, que instituições religiosas têm púlpitos e que monumentos religiosos no mundo inteiro como o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, a Igreja de Montmartre em Paris, o portal de Notre-Dame, na mesma cidade, a igreja de Santa Maria, em Florença na Itália, entre outras, têm escadaria enormes que exigem dos fiéis e dos turistas, muitas vezes incautos e sem se dar conta do significado simbólico da escadaria que sobem, esforço físico que nem de longe se aproxima do esforço espiritual para se estar aos pés de Jesus. Da mesma forma, recompensados pela visão primorosa quando alcançado o topo destas escadarias ou ultrapassado o portal, esta não se compara à visão tête-a-tête com Mestre como a que teve a mulher que lavou seus pés. 

    Contrapõe-se a tudo isto a igreja de São Francisco, em Assis, na Itália, que diferentemente de todas as igrejas da cidade é que fica no local mais baixo da colina, situada em sua base. Curiosamente construída neste lugar, dá-nos a ideia de que o pobrezinho de Assis estava muito mais do que aos pés do Mestre, estava ao seu lado, ombreando-O, mas a sua igreja construída na baixada é um carinho do Pai João para conosco, como se nos dissesse: Vem, o Mestre também está aqui. Assim, simples e desataviado! Numa demonstração de que para estar aos pés do Cristo precisamos, antes de tudo, estar à altura da sua sintonia tal como a mulher que rompeu preconceitos, desafiou normas de conduta e presenteou Jesus com o tinha de melhor: sua gentileza.